Pictoriais.
As questões da pintura são levantadas na série Pictoriais. Em algumas imagens, como nas belíssimas paisagens de captura aérea, a eliminação da linha do horizonte (como em Monet), causa um efeito desconcertante que exige do espectador uma aproximação em busca de referências que lhe restituem o equilíbrio no espaço. Em outra, mais formalmente abstratos, a aproximação também se faz necessária para que se capte detalhes que redimensionam e enriquecem o desfoque, o movimento e a saturação da cor enfatizam o aspecto pictórico da imagem; a transcedência da realidade.
Crítica.
Subjetividade do olhar
Uma das características de Rodrigo Frota é sua inquietação em buscar e resolver equações do olhar. Dedicação, persistência e cuidado com o fazer são traços que lhe conferem um profissionalismo raro. Pictoriais é sua primeira exposição de fotografias em nosso estado, e fica em cartaz até 11 de agosto, na Paulo Darzé Galeria de Arte – Rua Dr. Chrysippo de Aguiar, 8, no bairro da Vitória. A expo consta de 25 trabalhos em várias dimensões, resumo de suas constantes viagens de trabalho e pesquisa no Brasil e exterior. A curadoria é de José Guedes, artista visual e crítico de arte cearense, formado em Direito em 1983. Guedes dirigiu o Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de 1998 a 2003, para voltar ao mesmo cargo em 2007. É uma referência na arte brasileira, uma das personalidades mais atuantes no Ceará. Seu texto de apresentação é primoroso.
Rodrigo Frota não segue temas específicos, busca muito mais a fixidez da imagem escolhida como assunto, seguindo sua intuição e sentimento no momento da apreensão do instante. Mostra-se um atento observador do cotidiano, com delicada subjetividade que confere aos trabalhos um caráter único.
Seu desafio é trazer para uma estampa estática um grande grau de informações, especialmente as fotos aéreas, realizadas dum helicóptero, que evocam sentimentos, curiosidade e abre ao espectador inúmeras possibilidades de interpretações. Nessa mostra, apresenta temas documentais, abstratos, percorrendo caminhos e integrando linguagens visuais, tendências da arte do hoje que libera o artista para expressar em suas produções o que lhe parece adequado.
Em suas constantes viagens pelo mundo, parte de seu trabalho fotográfico é documental, buscando revelar o cotidiano e a cultura dos lugares escolhidos, celebrando aspectos peculiares a cada região. Na expo, aspectos do Marrocos, Peru, Portugal, de tantos outros países que propositalmente não nomeia, nem induz, destinam a cada indivíduo liberdade para a leitura de suas produções. O autor abdica de uma imposição no deciframento, para completar o processo no olhar do outro.
A mostra Pictoriais tem uma relação íntima com a técnica da pintura. Na realidade, a base artística de Rodrigo Frota foi o desenho e a pintura. Isso se reflete nas capturas aéreas que relembram Monet, as pontes da cidade do Porto levam a Mondrian, outros a pintores concretos como Arp, Tatlim, Wols e Kandinsky.
Em depoimento, o artista comenta: “As fotografias que faço têm características pictóricas. Procuro trabalhar com material que faz as fotografias parecerem pinturas”. Os jogos de luz e sombra, as silhuetas, os desfoques sugerem uma homenagem à técnica, que conheceu desde a infância, quando seus pais o levavam a galerias e museus de importância. Muito também de seus estudos no exterior. Rodrigo Frota faz releituras do mundo real, da fantasia, das fábulas e ambiguidades, das estruturas de narrativas visuais. Seu trabalho fotográfico é uma soma de fragmentações que trazem em seu bojo a forma, a linha e a cor.
São adições e novos acolhimentos, criando um universo paralelo de revelar mecânico de substituições. Se conceber se estabelece entre abstração e figuração, por vezes valorizando um ou outro aspecto. Construção singular de luzes e impactos visuais refinados. Rodrigo Frota desponta ainda bem jovem, uma referência na fotografia brasileira.
Cesar Romero
Transcendência artistica
A Fotografia, na segunda metade do século 19, provocou grande mudança na pintura. O impressionismo de Monet, Manet, Renoir, Van Gogh, Gauguin, Cezanne, surgiu quando esta nova técnica de reprodução de imagens tornou obsoleta sua função puramente descritiva; representativa da realidade. No impressionismo a pintura ganhou autonomia, pois as pinceladas e as nuances cromáticas passaram a ter mais importância do que o assunto abordado na tela. Do impressionismo ao cubismo de Picasso e Braque e à abstração de Kandinsky foi um caminho bem curto e que prosseguiu século vinte adentro incrementando sucessivas e contundentes revoluções.
Na segunda metade do século 20, quando as categorias tradicionais das artes visuais se derramavam umas sobra as outras, a fotografia, entre outras mídias, passou a representar também uma possibilidade de expansão para as questões da pintura (fotógrafos como Cindy Sherman, Andreas Gursky, Jeff Wall, Vik Muniz, são considerados grandes pintores da atualidade, o que exemplifica bem isso).
Rodrigo Frota, jovem artista cearense, tem olhar de Pintor, numa época em que é possível fazer pintura com a utilização de várias ferramentas, inimagináveis num passado não tão longínquo. Tem 27 anos e desde os 15, quando ganhou a primeira máquina fotográfica, investiu obstinadamente no ofício que já se podia vislumbrar ali. Dedicou alguns anos de sua vida a cursos de arte e fotografia no exterior, fotografou ao lado de Steve McCurry (famoso pela imagem da menina afegã que foi capa da revista National Geographic) nas exóticas , ensolaradas e místicas Myanmar e Índia; arquivou um vasto material que se intensificou nos últimos anos , a partir do qual fizemos o recorte ora exposto.
Em alguns momentos da mostra, como nas belíssimas paisagens de captura aérea, a eliminação da linha de horizonte (como em Monet),causa um efeito desconcertante que exige do expectador uma aproximação em busca de referências que lhe restitua o equilíbrio no espaço . Em outros, mais formalmente abstratos, a aproximação também se faz necessária para que se capte detalhes que redimensionam e enriquecem a primeira visão. Até mesmo nas fotografias mais claramente figurativas, o desfoque, o movimento e a saturação da cor enfatizam o aspecto pictórico da imagem; a transcendência da realidade.
Rodrigo Frota é um profissional inventivo, sensível, e rigoroso em todos os processos da elaboração de seu trabalho; do ângulo do click ao tipo de impressão das imagens; da temperatura cromática ao emolduramento. Eis um artista de quem temos muito o que esperar.
José Guedes